sexta-feira, 26 de março de 2010

Um duplo atentado – à PAZ no campo

Eu havia postado outro texto. Fiz algumas modificações, fui um pouco mais contundente e objetivo. Encaminhei para a Editora Abril - revista VEJA - solicitei que publicassem, preferencialmente, sem alterar o conteúdo. Compartilho abaixo, com você o pensamento (minha teoria). No final do meu texto tem o link para a origem da minha indignação. Dê-me a sua opinião a respeito. Agradeço. 
     Inconformado, quase não acreditei no que lia, principalmente porque seu autor é o respeitável senhor Maílson da Nóbrega. Sou Oficial da Policial Militar de Santa Catarina e acredito que a paz é possível. 
      Eu já tinha ouvido falar que o eletrocardiograma de economistas e banqueiros é uma linha reta, agora, pude comprovar.... 
   Desde que surgiram os conflitos agrários, a cada Mandado de Reintegração de Posse cumprido, com emprego de força, do aparato policial, ocorrem muitas vítimas; às vezes em tal quantidade que viram "massacre". 
   A recomendação formal pela busca da Conciliação, contida no 3º. PNDH não é novidade. Em 2001 quando o Ministério do Desenvolvimento Agrário, da Ouvidoria agrária Nacional, com a colaboração de um grupo denominado de "Comissão Nacional de Prevenção de Tensões e conflitos Sociais no Campo" lançou uma cartilha denominada: "Termo de Referência de Atuação em Tensões e conflitos sociais no Campo". Estava lá, a mesma recomendação.
   O senhor Maílson referiu-se à mesma recomendação, contida no Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (3º. PNDH) classificando-a como, um amontoado de idéias autoritárias, um duplo atentado ao direito de propriedade, pois, se aceita como natural a invasão de imóveis rurais e urbanos. Que viola a independência dos juízes, que não mais poderiam emitir liminares determinando a desocupação.
   Ele atribuiu à mediação de conflitos uma intimidação ao magistrado, vinculou a sentença à audiência coletiva. E definiu: (...) violação da independência dos Juízes que não mais poderiam emitir liminares determinando a desocupação. 
   Equivocou-se o senhor Maílson nas suas interpretações, por que: "Se" a invasão é aceita como natural, não haveria o conflitos. E, não existe a menor chance de um Juiz ser "impedido" de emitir liminar. Experimente, por qualquer meio, e sentirá o "Poder" da Justiça.
   Acredito que a negociação fortalece o Juiz Agrário, pois, em alguns casos, ao entender o caráter finalístico da ocupação, ele certamente não permitiria o uso da maquina estatal. Por exemplo: quando a situação envolve invasão incentivada. 
   Há alguns "tipos de invasão" de terras: 
     (1) A invasão incentivada. Aquela desejada e impulsionada pelo próprio proprietário, por conveniência econômica ou até mesmo eleitoral. 
     (2) A invasão tolerada. Ocorre naquelas que o proprietário não dependendo do imóvel para sua atividade primordial, conforma-se em tê-lo desapropriado em ação futura. 
     (3) A Disponibilizada. Aqueles que, "falidos" não antevêem solução para seus débitos com instituições financeiras, sabedores que seus bens irão à penhora, colocam as suas terras à disposição para, uma vez invadidas negociarem a indenização. 
   Alem dessas, também integram o rol, propriedades de difícil comercialização, que por meios oblíquos alcançam avaliação vantajosa diante do organismo estatal. 
   De posse dessas informações o Juiz Agrário evitaria envolver-se em um joguete de cartas marcadas. 
   O direito a propriedade deve ser, e é garantido, porem é preciso que se estabeleça o limite do razoável (princípio da razoabilidade da Constituição federal) para que não se inicie a violência, tampouco, para os excessos na busca do reconhecimento do Direito.
   Trago dois conceitos para melhor compreensão do processo que envolve a "Conciliação" recomendada. (Da Monografia: BEDIN, Edivar. O Gerenciamento de Conflitos Agrários pela PMSC apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Segurança Pública. UNISUL, Florianópolis, 2007): 
     "Gerenciamento de conflitos é o processo conduzido por uma ou mais pessoas, através de planejamento, tomada de decisões e de providencias especiais, com o objetivo de preservar o patrimônio e a integridade dos envolvidos, reduzindo as tensões e ameaças ao mínimo". 
     "Negociação de Conflitos Agrários, visa à busca de acordos que possibilitem a convivência pacífica das partes, até que não ocorra a solução definitiva, bem como auxiliar na realização desta, com o restabelecimento da paz social".
   Portanto, a NEGOCIAÇÃO prevista no 3º. PNDH se aplica apenas nos casos em que as ocupações são resistidas, pelos proprietários, ensejando a interferência do estado, seja pelo papel preventivo, seja pela atuação do Estado-Juiz durante o processo, seja pela intervenção posterior, quando esgotada a via jurisdicional. 
   A "Conciliação" é a nova ordem nos Tribunais. Pois, é assim, sincronizando as ações que se somam os poderes e não, se fracionando, onde o Estado-Juiz determina e o Estado-Executivo busca esquivar-se do cumprimento. 
   Quando atuei como Comandante de Unidade Operacional em região de Conflitos Agrários, ao manter a ordem nos locais invadidos, ou, ao cumprir os Mandados de Reintegração de Posse, sempre pautei minhas ações de Comando pela consideração, pelo respeito e pelo entendimento com as partes. Cumpri o dever sem nunca ferir ou permitir que alguém ficasse ferido. Em todas as ações desse tipo, sempre estivemos em desvantagem numérica e, mesmo assim, conciliando, a persuasão foi nossa principal arma.
   Em meados do ano de 2006 fui designado para servir no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para, na Vara da Justiça Agrária, criar o Núcleo de Gerenciamento de Conflitos Agrários. A missão principal, auxiliar o Juiz Agrário encontrar solução pela via negociada, que posteriormente seria homologada em sua Sentença.
   Em seis meses, desde o mês de Outubro de 2006 até o mês de Maio de 2007 foram realizadas quase trinta "reintegrações de posse", envolvendo MST, fazendeiros, Sindicatos etc. em ações com fortes indícios de resistência entre as partes envolvidas.
   Todas foram cumpridas sem emprego de força policial, por acordos, satisfazendo as partes envolvidas. 
   É o Estado pacificador cumprindo a sua função com o mínimo de agressividade.
   O gerenciamento de conflitos deve ser feito pela Polícia Militar, porque é a ela a quem compete a manutenção da Ordem Pública, e para se integrar no controle necessário, a fim de impedir que a situação descambe do Estado Democrático de Direito para o caos institucional, com confrontos e enfrentamento diretos, na maioria das vezes. 
   Da minha experiência em Operações de "Reintegração de Posse" - forçadas e sem a Mediação - escrevi na Monografia: (...) Minha maior motivação para criação do Núcleo, veio da lembrança das noites de sono perdidas, devido à preocupação e o receio que antecedia às operações de reintegração de posse. (...) Sabíamos que encontraríamos mata densa, abelhas, pedras, paus, coquetéis molotov, mulheres e crianças à frente, com foices e facões e nós, em situação numérica muitas vezes inferior, com escudos e cassetetes, e sem disposição para o enfrentamento. (...). 
   A cada reintegração de posse forçada, além do desgaste emocional nos envolvidos, corríamos riscos, todos os envolvidos, pela falta de preparo tático para esse tipo de ação. Alem disso, como a maioria das PMS do interior não dispõem de efetivo suficiente, esvaziam-se todos os postos, deixando-se apenas uma ou duas guarnições para atendimento emergencial nas cidades. A logística, problema sério, pois, a nossa PM, não dispunha de ônibus para o transporte da tropa e estes, haveriam de ser alugados. Processo caro e demorado. Aos custos soma-se o pagamento de hora-extra e diárias, a cada Policial Militar envolvido, que ainda, teria em seu retorno, direito à folga proporcional. As cidades ficam vazias de Policiais Militares.
   Por tudo isso, acredito, é possível o cumprimento da lei, com respeito à atuação dos movimentos sociais, através do diálogo, da mediação e da negociação.
   Precisamos construir uma grande Nação, onde os Movimentos sociais tenham o espaço necessário à busca da Justiça Social, sem prescindirmos do Estado Democrático de Direito e do controle da Ordem Pública.
   Tal situação retrocede à palavra de maior peso à convivência das civilizações: DEMOCRACIA, que é construída dia após dia através do entendimento, da transigência e da busca do bem-estar social. 
   O caminho é o DIALOGO e a NEGOCIAÇÃO.
   Finalmente. O senhor Maílson, agora profeta belicoso antevê um futuro terrível: (...) "Por tudo isso, se não for abortada, a proposta nos levará às trevas" – já ouvimos isso, na Inquisição.
   Trevas? Ameaças? De quem? 
   Ninguém ameaçou mais este país do que economistas e seus planos mirabolantes.

Edivar Antônio Bedin
Tenente-Coronel - PMSC

Na Edição 2157 / 24 de março de 2010 http://veja.abril.com.br/240310/duplo-atentado-p-101.shtml
por Maílson da Nóbrega

2 comentários:

Junio disse...
[Responder comentário]

Parabéns Cel, muito bom seu texto sobre os movimentos sociais e a forma com são tratados no Brasil.

Junio
Cap PMSC

Eu disse...
[Responder comentário]

@Junio
Caro amigo Junio
A recomendação inserida no PNDH3 é boa. É a única forma de se evitar os embates entre PM x MST.
Um abraço.
Edivar

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